Quando
Deus fala com você, mesmo que em “pessoa”, Ele fala através de sua mente. Se
seu chacra frontal, e não seus olhos, capturaram um espírito real, ainda assim
este chacra colocou a imagem em sua tela... mental. E se só você o viu, não
precisa ser real para o outro, mas nem por isso deixará de ser real para você.
Quando
Chico Xavier nos relatava ter visto intimamente um espírito, o que faz este
espírito ser real para mim, que não vi, é a credibilidade do médium, a
coerência espiritual que ele tem dentro daquilo que creio, e a sintonia
espiritual que eu possa perceber ali.
Se um
segundo médium também o percebe, ou diz perceber - e eu não - ainda assim o que
tenho é a credibilidade ou sugestionabilidade do outro médium. Até porque, se
todos vissem e fotografassem, não seriam mais vultos na clarividência, e sim,
um caso de materialização.
Nestas
visões, para não depender de sensações que nem todos sempre têm, eu diria que o
maior fator de realidade é a mensagem que eles trazem. A maior garantia que um
médium nos dá é a própria normalidade e coerência com a qual viva - ou não -
aqui. Penso que valha o mesmo para nossa visão.
Em
geral, as “alucinações” que merecem nome não vem sozinhas, elas acompanham
pessoas que não se adéquam bem à vida social aqui, muitas vezes como forma de
compensação. E tampouco são neutras; elas costumam ter conteúdo simbólico analisável,
muitas vezes endossando delírios persecutórios (os “do mal”) ou de grandeza (os
“do bem”), em enredos que poderiam figurar de um sonho, psicanaliticamente
interpretável, da mesma pessoa.
Já os
clarividentes reais, especialmente os que trilham o caminho dos comuns (uma vez
que exceções são exceções), percebem vultos sem nenhuma alteração visível do juízo,
nem maiores fascinações. Não costumam interpretar as supostas visões (simples,
naturais) para endossar credos mirabolantes com falhas de discernimento. O
certo é simples, e o simples é certo.
Se
quer saber técnica e precisamente se uma visão - que em última análise se dá em
sua mente - proveio mesmo do astral ou foi criada ali na mente, eu diria que,
simplesmente, não dá para afirmar. Como podemos dar cem por cento de certeza,
ainda mais na experiência do outro, se em um nível mais profundo, todos os
credos, físicas e filosofias questionam até mesmo a realidade deste plano aqui?
E quando é conosco, porque às vezes temos, algumas, tanta necessidade de
afirmarmos (aos outros) tratar-se de algo “real”? A realidade interna não
deveria ser, em última análise, interior?
Alberto
Cabral, filósofo e espiritualista, diz - sobre a realidade projetiva - que só
pode garantir ao outro que o que viu fora do corpo não seja ilusão na medida em
que possa garantir a realidade daqui, que lhe parece tão coerente quanto. Em
seu juizo e discernimento, que nos parecem aceitáveis, o percebido é tão ou
mais real, coerente e palpável do que essa realidade que percebemos agora e
aqui. Claro que alguém que alucina também pensará o mesmo; entretanto, se a
realidade do psicótico parece a mesma no consciente e no inconsciente para ele,
por outro lado, a estrutura de sua realidade não parece da mesma coerência para
nossa referência aqui.
A
conclusão deste raciocínio simples é que o juízo de sanidade é o mesmo: se sou
louco por perceber aquilo de lá, deveria o ser por perceber isso de cá; se sou
confiavelmente coerente, inteligente e centrado aqui, por exemplo, é com este
mesmo juízo que estou afirmando minha visão do acolá. O paradoxo disso é que
voa mais alto - e de olhos abertos - aquele que tem os pés no chão.
Bons
médiuns são pessoas que, na medida do possível, namoram, têm filhos, amigos,
vida sexual sadia, trabalho, lugar no mundo, sentido de vida, relações
saudáveis, passado coerente, planos adequados para o futuro, saúde psíquica,
discurso estruturado, bom humor, senso de realidade... Já outros, têm maior
número de “visões” quando deprimidos, ou como principal característica sua
“especial” (em meio a uma visível mediocridade), ou no meio de discursos de
estruturas mirabolantes, ou substituindo com os “mortos” uma visível
deficiência nos relacionamentos com os “encarnados”. Uma tentativa de estrutura
no “mundo de lá”, proporcional à sua falta de estrutura no de cá.
Não
descarto que até esses últimos captem bastante realidades espirituais, talvez
até mais do que a média. Entretanto, qualquer comunicação vinda de uma
estrutura assim não tem como deixar de se contaminar pelas compensações e
desequilíbrios da estrutura mental.
Há
outros critérios, como o da obviedade, o do messianismo, o do simbolismo. Uma
pessoa centrada, sem maiores alucinações, vê um vulto repentinamente, não raro
quando busca o contato espiritual, e se questiona da realidade disso. É
coerente.
Pessoas
simples e sem cultura, não raro “incorporam” entidades que se diferenciam pela
humildade, e passam recados com uma sabedoria e simplicidade incomum. Grandes
mestres, cujo exemplo de vida atravessa milênios, falam de uma sabedoria também
atemporal. Faz sentido.
Por
outro lado, alguns menos centrados e medianos, ou até mesmo usuários de
substâncias, têm “certeza” de verem Saint Germain ou Jesus numa nave (que assim
se vê ou se mostra como especial), em geral, associados a simbolismos do credo
ou psiquismo pessoal de quem o viu (cruzes, naves especiais, raios violetas,
apocalipses, discursos místicos e confusos), como se fossem arautos de um
significativo “tempo futuro melhor que esse” (atual do médium). Boa parte deles
se dissocia do “mundo”, dos “prazeres”, da matéria, até mesmo do “sexo” ou da
“mente”, os quais significativamente “condenam” (como se fosse possível
transcender aquilo que não viveram). Não percebem vultos entre dúvidas: têm
“certeza” do contato com os mestres e deuses, os quais se dignam a vir falar
(exclusivamente) com eles, (apenas) para passar recados óbvios, do tipo
“irmãos, vocês precisam se amar mais”, “vocês são deuses”, ou “aquilo que você
deseja acontece”.
A
aceitação dessas afirmações “esotéricas”, em geral ditas em tom místico que
parodia outras religiões e textos de auto-ajuda, não é prova de autenticidade,
e sim de obviedade pessoal. Há muitos mestres antigos e profetas atuais que já
nos deram a mesma mensagem com maior credibilidade, sendo pouco provável que as
estrelas se alinhem para que a Virgem Maria em pessoa escolha, como última
chance para a humanidade, repetir o já sabido como se fosse novidade, através
de alguém cujo exemplo é diverso da normalidade dos homens e que a Mãe Divina
precisaria desesperadamente atingir antes do momento final.
Dois
por cento de autenticidade
Penso,
por fim, que certamente há muita mediunidade em boa parte da dita
esquizofrenia; mas, talvez na mesma proporção, há muita esquizofrenia em grande
parte do que é aceito como mediúnico. Ken Wilber, com base em muita pesquisa,
prática e teoria, afirma que no máximo cerca de 2% dos fenômenos alegados são
autênticos. Há quem veja ceticismo nisso, mas ele mesmo é dado a
paranormalidades e meditações, e não disse não crer, ao contrário: revela ter
constatado fenômenos reais, e muitos; mas não a maioria dos que se dizem ser,
bem intencionados ou não.
Este
debate todo é interessante, mas se reparar bem na incerteza que repousa em
nossa condição, entendo que o mais sensato ainda seria viver bem aqui,
considerar mais o conteúdo das comunicações do que sua natureza, e empenhar
sinceros esforços no intuito de nos conhecermos melhor. Note que, ainda que
discordem na teologia, na prática vários caminhos distintos apontam para o mesmo,
da resignificação psicanalítica à reforma íntima espírita, das práticas yogues
de purificação ao dharma no aqui-agora budista.
Tenha
visto você um espírito ou uma alucinação, as percepções - e projeções - só
poderão ser tão lúcidas e reais quanto a “realidade lúcida” que seja vivida
aqui.
Escrito por Lázaro Freire - Artigo publicado na
Revista Cristã de Espiritismo, edição 57
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