“...é preciso que a moralidade vença numericamente”
(Allan Kardec, “As Aristocracias”, em “Obras Póstumas”)
O Brasil vem assistindo a uma torrente de escândalos que acontecem em
sua mais alta Casa Legislativa. O Senado Federal, instituição que, no ideal
republicano, deveria abrigar homens probos, experientes, voltados à defesa das
prerrogativas dos Estados que os elegeram, tem se mostrado um dispensador de
privilégios inconfessáveis. Por meio de uma excrescência jurídica, os “atos
secretos”, nomearam-se cargos em comissão, concederam-se vantagens, pagaram-se
mordomias, remuneraram-se prestadores de serviços particulares com verbas
públicas, desbaratam-se, enfim, milhões de reais dos cofres públicos.
Nossa incipiente democracia tem sido, frequentemente, violada por
escândalos dessa ordem. Seria ingênuo supor seja isso novidade. Quanto mais
recuarmos no tempo, mais identificaremos a presença de sanguessugas do erário.
Por milênios, os mais fortes e os mais hábeis, ora valendo-se da força bruta,
ora invocando pretensos direitos divinos, ou de sangue, ou de raça, ou de
corporação, assenhorearam-se dos bens comuns e espezinharam os direitos
inerentes a todos.
O postulado de que “todo o poder emana do povo e em seu nome será
exercido” é uma conquista recente da sociedade que está longe de ser
inteiramente praticada. É verdade, já somos capazes de exercitar com plenitude
a cidadania na hora de eleger nossos representantes. Mas estamos distantes de
poder fiscalizá-los convenientemente e nos sentimos impotentes de lhes evitar
os desmandos.
O momento é singular. A plena democracia permitiu-nos fortalecer os
organismos políticos. Com os poderes que lhe concedemos, a classe política
criou uma formidável estrutura corporativista. Disso decorre que os honestos e
bem-intencionados que lá chegam deparam-se com um forte mecanismo protecionista
que nem sempre lhes possibilita agir em favor da moralização.
Em contrapartida, talvez nunca, como hoje, a sociedade civil esteve tão
mobilizada. Nunca a imprensa apontou tão cruamente as mazelas do poder
político. Também, inegavelmente, acentua-se o senso ético na consciência do
povo. Está começando uma revolução em prol da transparência, da moralidade e da
punibilidade dos malversadores do interesse público. O povo se sente traído e
compreende que as raízes dessa traição se nutrem no lodaçal de uma imoralidade
cultivada e tolerada por muito tempo e que precisa ser contida.
Entretanto, toda a corrupção pública, mesmo a que se institucionaliza e
assume ares de legalidade, é gestada na consciência do ser humano. Vale dizer,
produze-a o espírito imperfeito, aquele que, segundo os mensageiros da
espiritualidade, é ainda dominado pelo orgulho e o egoísmo.
Mais do que nunca, a quem, como nós, foi possível a compreensão das leis
da vida fundadas na imortalidade e na evolução do espírito cabe investir no
processo de educação integral do ser humano.
Resgatar a essencialidade espiritual do homem implica também demonstrar
que há um único caminho para a felicidade, em qualquer plano e estágio: o do
esforço pela transformação ética e moral. Não se atingem patamares de justiça,
estabilidade política e social, correta administração da coisa pública, sem que
esses valores se encontrem ancorados na consciência moral de cada cidadão: de
eleitores e eleitos, de governantes e governados.
Convém, enfim, ter presente sempre que o bem e o mal são escolhas do ser
humano. Que valores públicos gestados pelos ideais republicanos exigem de cada
indivíduo um assentimento e uma participação que não se esgotam no voto e
reclamam a ação concreta em favor do bem comum. Viver é, sobretudo, conviver,
aprendendo a fazer da convivência um ideário de justiça, solidariedade e
fraternidade. Seja qual for nossa posição no contexto social.
Por Milton R. Medran Moreira
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