Enquanto o Mestre agonizava na cruz, rasgou-se o
céu em Jerusalém e entidades angélicas, em grupos extensos, desceram sobre o
Calvário doloroso...
Na poeira escura do chão, a maldade e a
ignorância expeliam trevas demasiadamente compactas para que alguém pudesse
divisar as manifestações sublimes.
Fios de claridade indefinível passaram a ligar o
madeiro ao firmamento, embora a tempestade se anunciasse a distância...
O Cristo, de alma sedenta e opressa, contemplava
a celeste paisagem, aureolado pela glória que lhe bafejava a fronte de herói, e
os emissários do paraíso chegavam, em bandos, a entoarem cânticos de amor e
reconhecimento que os tímpanos humanos jamais poderiam perceber.
Os anjos da ternura rodearam-lhe o peito ferido,
como a lhe insuflarem energias novas.
Os portadores da consolação ungiram-lhe os pés
sangrentos com suave bálsamo.
Os embaixadores da harmonia, sobraçando
instrumentos delicados, formaram coroa viva, ao redor de sua atribulada cabeça,
desferindo comovedoras melodias a se espalharem por bênçãos de perdão sobre a
turba amotinada.
Os emissários da beleza teceram guirlandas de
rosas e lírios sutis, adornando a cruz ingrata.
Os distribuidores da justiça, depois de lhe
oscularem as mãos quase hirtas, iniciaram a catalogação dos culpados para
chamá-los a esclarecimento e reajuste em tempo devido.
Os doadores de carinho, em assembléia
encantadora, postaram-se à frente dele e acariciavam-lhe os cabelos empastados
de sangue.
Os enviados da luz acenderam focos brilhantes
nas chagas doloridas, fazendo-lhe olvidar o sofrimento.
Trabalhavam os mensageiros do Céu, em torno do
Sublime Condutor dos homens, aliviando-o e exaltando-o, como a lhe prepararem o
banquete da ressurreição, quando um anjo aureolado de intraduzível esplendor
apareceu, solitário, descendo do império magnificente da Altura.
Não trazia seguidores e, em se abeirando do
Senhor, beijou-lhe os pés, entre respeitoso e enternecido. Não se deteve na
ociosa contemplação da tarefa que, naturalmente, cabia aos companheiros, mas
procurou os olhos de Jesus, dentro de uma ansiedade que não se observara em
nenhum dos outros.
Dir-se-ia que o novo representante do Pai
Compassivo desejava conhecer a vontade do Mestre, antes de tudo. E, em êxtase,
elevou-se do solo em que pousara, aos braços do madeiro afrontoso. Enlaçou o
busto do Inesquecível Supliciado, com inexcedível carinho, e colou, por um
instante, o ouvido atento em seus lábios que balbuciavam de leve.
Jesus pronunciou algo que os demais não
escutaram distintamente.
O mensageiro solitário desprendeu-se, então, do
lenho duro, revelando olhos serenos e úmidos e, de imediato, desceu do monte
ensolarado para as sombras que começavam a invadir Jerusalém, procurando Judas,
a fim de socorrê-lo e ampará-lo.
Se os homens lhe não viram a expressão de
grandeza e misericórdia, os querubins em serviço também lhe não notaram a
ausência. Mas, suspenso no martírio, Jesus contemplava-o, confiante,
acompanhando-lhe a excelsa missão, em silêncio.
Esse era o anjo da Caridade.
Mensagem
extraída do livro Estante da vida, cap. 34.
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